A lambada dos parvos
Ontem
A mim, quando a ouço e vejo cantar, entala-se-me um soluço na garganta, tremelica-me o beiço e desce-me uma cortina de água nos olhos que tenho de suster com o cuidado de não piscar - não vá eu fazer-me ainda mais parvo do que o parvo que sou! Mas o mesmo sol que amolece a minha cera de parvo endurece o barro (os burros?) dos implacáveis comentadores do 'establishment', entrincheirados nas suas covas, prontos a rasoirar à metralha essa erva daninha, esse escalracho de protesto que quer crescer ao calor das palmas e gritos de uns parvos tão parvos como os parvos dos Deolinda.
Onde eu vejo quase uma litania de humor cáustico em crescendo que passa a raiva e rebenta num vulcão de revolta, os da situação apenas encontram pretexto para lambada - nos parvos a quem lhes deu a tineta de se inconformarem.
Levanta-se um espingardeiro que há mais de vinte anos anda a saltar a pés juntos sobre a sua própria campa, a ver se calca no esquecimento o que foi nos idos de Abril - e manda os jovens deixarem de ser parvos e emigrar. Uma precoce 'tia' alinhada da Linha e de um-chocho-só dá, grátis, a orientação de que os jovens têm de ser parte da solução e não do problema - e não devem cansar-se de estudar, para poderem decifrar a charada das suas vidas.
Estudar, pois! Vários lêem nos versos «Que mundo tão parvo / Onde para ser escravo é preciso estudar» um resmungo de cábulas e mandriões que nada querem fazer - deixem de ser parvos, toca a pegar nos livros e fazer o terceiro mestrado e o quinto curso de formação para ver se agarram um estagiozinho no 'call center' ou no 'hiper'.
E muita sorte têm esses parvos da Deolinda em que a especialidade dele seja o século XIX e um pedaço do XX, se não, despertariam da sonolência o rabugento do conformismo que diz que já está tudo visto na história, para lhes lembrar que muito tiveram de estudar os gregos para conseguirem ser escravos bem tratados dos romanos - súcia de ignorantes!
Pois eu parvamente senti no cântico mais um bocadinho do «agora é que é!» com que vou nutrindo a minha parva esperança de ver chegar a liberdade com as suas vestes de dignidade para uma geração a quem a mornidão dos costumes lhes roubou o manual da luta e agora está a redigi-lo pelo seu próprio punho.
No dia 12, se me aceitarem, ali me terão na rua, tão à rasca como eles, porque me quero parvo como eles e não como os parvos que pensam que somos parvos.
Os verdadeiros parvos fingiram não ouvir - não lhes dava jeito! - mas o cântico ruge: «E parva não sou!»
oscarmasc@netcabo.pt
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