domingo, outubro 24, 2010

Catalisemos também nós um debate construtivo e enriquecedor das consciências

«Com a definição dos padrões de desempenho docente pretende-se contribuir para orientar a acção dos docentes, estimular a auto-reflexão, articular a avaliação do seu desempenho e catalisar um debate construtivo e enriquecedor sobre a profissão docente.» (ME)



Padrões de desempenho...se cada professor tinha o seu modo próprio de ensinar (ou não) isso agora deixou de interessar. O ME é quem estabelece os padrões e os professores limitam-se a desempenhar esses padrões como se fossem um mero guião. Assim nasceu o professor cumpridor... potencial candidato aos prémios de desempenho...

O ME, que é amiguinho dos professores em geral, quer apenas "contribuir para orientar a acção dos docentes" e estimular-lhes a auto-reflexão (oh, mas assim já não é AUTO-reflexão...!!!), não sendo desejáveis as avaliações de desempenho desarticuladas, já que o objectivo é catalisar (http://pt.wikipedia.org/wiki/Catalisador) um "debate enriquecedor sobre a profissão docente".

Aceitamos o desafio! Mesmo não sendo professores, mas ainda assim enquanto pais, somos (também) educadores e trabalhadores (ou meros desempregados), vamos então a esse debate enriquecedor tão desejado...
O que aqui está em causa, não são os meros formalismos burocrático-profissionais em que querem espartilhar a honrada profissão de quem é suposto transmitir cultura e conhecimento, embora isso bastasse para a revolta de quem ainda tem um pingo de ética.
Mas o que está aqui em causa é muito mais grave e diz respeito a todos nós professores e não professores. É o futuro dos nossos filhos que está a ser posto em causa. E não só através da destruição da escola pública, enquanto serviço público, equitativo e gratuito para formar cidadãos livres. Também pela destruição de uma ou mais gerações destinadas à precariedade e ao desemprego ou à subsídio-dependência. Mão de obra barata e inculta... carne para canhão... o sonho de poderem vir a ser alguém se puderem dar o salto... nem que seja para o Afeganistão... ou para a Grécia. Tantos anos perdidos a estudar, depois na faculdade já com os juros do empréstimo a acumular... e a licenciatura de Bolonha que não serve para nada e mais um empréstimo para o Mestrado para ser realmente licenciado... eles que vão pagar a crise da nossa crise...
Não, tudo menos ir dar aulas... já não basta o barulho das crianças e a genica que é preciso ter numa sala com 30 alunos com as hormonas destrambelhadas. ainda mais toda a carga burocrática que impede os professores de aperfeiçoarem e desenvolverem o seu trabalho?Investigação? Cá não há... só call centers. Só lá fora... para os que podem. E cada vez as famílias menos podem. Emprego? Não há, para licenciados é ainda mais difícil... ou vão dar aulas ou ficam desempregados de longa duração. Para o Estado é bom, já nem recebem subsídios... a não ser que queiram pertencer a qualquer coisa que os favoreça...
Tudo isto a que assistimos, estes cortes já estavam previstos voltaram em força com os ecos ensurdecedores da crise... mas a crise, na prática, só chega aos serviços públicos e aos bolsos das pessoas. A escola pública já enfraquecida vai enfrentar os cortes dos PECs sucessivos. No início do ano lectivo pais fechavam escolas por não terem segurança, por não terem pessoal auxiliar... e ainda se vão sentir muito mais as consequências. A nova fornada de professores que já não vai ter concurso para o ano vai sentir... as pessoas vão sentir em cada aumento, em cada perda de benefícios. Todos vão sofrer e haverá em Portugal ainda mais crianças com fome do que as que já há.
Mas os pais nunca se uniram aos professores quando estes alertaram para os ataques a que estavam a ser submetidas a escola pública e a sua profissão. E veio a ministra sorridente com ares de tia e só poucos viram nela mais uma sinistra ministra.
E os professores nunca passaram do portão da escola para a rua para dizerem àquelas famílias cada vez mais precárias e desestruturadas o que lhes ia acontecer ao futuro dos filhos.
Por isso ainda nada foi possível porque às vezes as coisas têm que bater tão no fundo para as consciências acordarem.

2 comentários:

Alergia disse...

Plena razão , Kaótica!
Ainda há algum tempo para que as pessoas acordem. Mas provavelmente só acontecerá quando fizerem mesmo um galo na testa, de caírem no duro chão.:(
Um abraço! :)

Anónimo disse...

Os últimos dois parágrafos são uma excelente coroa para um óptimo texto.

João P.