terça-feira, novembro 23, 2010

O Dia Cívico









Amanhã é um dia importante. Independentemente das nossas convicções políticas, e eu já não tenho nenhuma, os Portugueses terão oportunidade de exercer o seu Direito à Indignação, consignado na Constituição, artigo que resistiu a todas as revisões, talvez por que seja a única coisa que ainda nos resta.

Pela segunda vez na história da Democracia, todas as forças se conjugam, para dizer que há uma coisa que são oscilações políticas, outra, as fronteiras da dignidade humana.


Não entrámos, em 1985, para a Comunidade Europeia, para estarmos, em 2010, na eminência de aderir ao Magreb.

Este ato cívico, "Greve", como lhe chamam, é a segunda vez que sucede na história recentíssima do Estado Democrático. Pela segunda vez, surge num momento em que o Estado é uma vergonha, e não é Democrático, e, pela segunda vez, sob a tutela da mesma figura sinistra, o homem a quem Portugal deve a sua lenta e intolerável agonia, um provinciano, com horizontes dos anos 30 do séc. XX, chamado Aníbal Cavaco Silva.

Da primeira vez, essa criatura, a quem devo a destruição do MEU país, era vigorosa e arrogante: raramente tinha dúvidas, e nunca se enganava. Não lia jornais, e comia bolo rei para as televisões, sempre que o Mundo se desmoronava um pouco mais. Da segunda vez, esse subproduto das províncias do Sul está senil, e faz o papel do enjeitadinho que só espera pelo tempo, para inscrever um segundo mandato no seu miserável currículo. Pelo meio, ficou um país em ruínas, Cauda da Europa, Cabeça da Desigualdade, Corpo da Desvergonha, Braços da Injustiça, e Pernas da Impotência.

O meu coração é contra este homem, e contra tudo aquilo que ele fez ao NOSSO país.

No Manual de Epicteto, há a célebre frase que diz "há o que depende de nós e o que de nós não depende". Na História de Portugal, há o que é culpa de Sócrates, e aquilo em que Sócrates não tem culpa. Temo-nos entretido com crucificar um tipo que é assumidamente medíocre, mas se mantem razoavelmente bem, no número de equilibrismo que agora estamos a ter de protagonizar, mas isso é tema para outro texto. Hoje, o momento é de horror, e volto a relembrar Epicteto, para dizer: há o que é culpa do Cavaco, e aquilo no qual Cavaco não teve culpa.


Cavaco não teve culpa de, durante a sua penosa presença em Belém lhe terem posto, num prato, a fatura da espantosa refeição que alimentou, desde o Grande Desastre Português de 1985, que não foi ter então, à frente do Governo, um europeista, um homem de vistas largas, e um estadista com projeção mundial. Dir-me-ão que tivémos o que merecíamos, como com Salazar, mas gostaria de tentar ser justo e dizer que não tivémos o que merecíamos: tivémos um fortíssimo azar, que agora nos está a custar todas as partes do corpo. O desgraçado da rua não sabia que não se pode transformar um país numa mera bancada de importações: há que salvaguardar setores chave, para os dias difíceis que atravessamos. Esse cavalheiro, o coveiro de Portugal, destruiu a Agricultura, vendeu as Pescas, fechou as minas, desmantelou as vias férreas, tornou-nos totalemente dependentes da energia exterior, cauterizou as florestas, arruinou os litorais e o turismo, e acabou com os estaleiros e com a metalurgia, e -- pareço um comunista a falar... -- minou todo o tecido social da Pátria, com a proliferação de bancos suspeitos, e assentes em negócios sujos. Só não colocou toda a gente na precaridade, porque estava à espera de sucessores que, como Sócrates, o fizessem, ou de que a Função Pública "morresse de velha". Politicamente, a sua herança foi um partido destroçado, totalmente afastado dos ideais que o tinham levado a lutar pela restauração da Democracia, escalpelado de PPD, e completamente entregue a um "PSD" de durões barrosos, dias loureiros e "majores" sem qualquer patente.

O Sr. Sócrates, que agora por ai anda, delirante e ridículo, pensava que isto era para o "jogging", mas não era, porque já então estávamos em rampa irremediavelmente descendente, mas ainda começou a brincar aos cavacos, e saiu-se muito mal, porque ele tem a sina de errar quase sempre, e só agora descobriu o preço que se paga pelas dúvidas dos momentos decisivos.

Este é o tempo da má moeda: a nota de 500 € está, angustiadamente, em Belém, à espera de que passe o dia 25 de janeiro. Eu estou, preocupadamente, a escrever este texto, da noite de 23 de novembro. Pelo meio, há uma série de figuras menores, uns boys do Centrão, à espera de que não lhes toquem nos salários da austeridade. Podem estar descansados, porque ainda não tocam esta semana: é para a semana que vem, quando as forças externas, fartas desta palhaçada, decretarem que Portugal é uma Economia fora da lei, governada por inconscientes e cadastrados.

Reza a História que a vingança é um prato que se come frio. É verdade: é simbólico que o Cavaco velho apanhe com as culpas do Cavaco novo. Alexandre Dumas escreveu "Os Três Mosqueteiros", e, depois, os "Vinte Anos Depois". Na Literatura, estavam, então, mais gordos e sorumbáticos. Em Portugal, ele, Aníbal, está mais senil e impotente, supostamente camuflado por detrás de protagonistas de fancaria, e nós vamos pagar, e caro, essa nossa tendência para apostar sempre no cavalo errado.

Quando, em 1985, traiu Mário Soares e a memória de Mota Pinto, que se tinham conjugado, com o FMI, para tirar Portugal de um impasse, pensou que a sua "rodagem" da Figueira da Foz poderia durar para sempre, nas mãos de ferreiras do amaral, de oliveiras e costa e quejandos, mas não durou. Teve azar, e foi o último a ficar na sala, com o mórbido repasto por pagar.

Para que não se diga que este é um texto lúgubre, deixo a frase com que os vossos filhos e netos poderão ler o nosso tempo: sempre que Portugal esteve na corda bamba, Aníbal de Boliqueime manteve-se na sua corda bimba.

Espero que amanhã receba mais um aviso severo. Pela minha parte, estou a terminar, "et pour cause", este texto, antes da meia noite.

Os meus sinceros desejos de um Excelente Dia de Indignação Geral

Sem comentários: